No Quilombo Olho D’Água dos Gomes/Cocazinho, aconteceu no último domingo (16) a inauguração oficial do Laboratório Tear Neide Valentina, com a conclusão do curso Tecnologias e Desenvolvimento Local. As primeiras três turmas reuniram mais de 50 crianças e adolescentes das comunidades e a experiência proporcionou, para alguns deles, o primeiro contato com um computador. No entanto, isso não significa que estamos falando de uma comunidade atrasada tecnologicamente, uma vez que nem toda tecnologia provém apenas de hardwares, internet e inteligência artificial.
Laboratório Tear e Neide Valentina
A ideia de criar um laboratório que contasse estruturalmente com todos os componentes físicos de oito computadores de mesa, acesso gratuito à internet e cursos formativos baseia-se em uma construção coletiva. A casa onde ocorrem as atividades foi uma doação de Neide Valentina, figura ilustre nascida e criada em Cocazinho, que agora repassa adiante o espaço que usou para criar seus filhos, com o objetivo de fortalecer as comunidades ao redor. A estruturação física e os cursos oferecidos pelo Instituto Baixada visam contribuir para esse fortalecimento, mas são os moradores de Olho D’Água dos Gomes/Cocazinho os grandes detentores e administradores deste espaço coletivo, que existe para que ninguém precise, obrigatoriamente, sair da comunidade ou depender de outras variáveis para conseguir esses acessos.
Filantropia comunitária e decolonialidade
Em maio de 2023, a pesquisa TIC Domicílios informou que mais de 149 milhões de domicílios no Brasil contavam com acesso à internet. Em 62% dos domicílios, porém, o acesso era obtido apenas por meio de dispositivo móvel, como um celular. Ao se aprofundar nas características sociais e econômicas da população pertencente a essa porcentagem, descobre-se que a maioria se encontrava em áreas rurais e com escolaridade até o ensino fundamental.
Esse dado revela que a falta de acesso a computadores, notebooks e outros dispositivos eletrônicos para mais da metade da população com acesso à internet no Brasil trata-se, principalmente, de um projeto político de isolamento da população rural, indígena e quilombola de direitos constitucionais.
Qualquer esforço para promover a inclusão digital deve trabalhar para destacar todas as potencialidades de um território. O caminho deve ser um meio para alcançar a autonomia comunitária e permitir que os indivíduos não apenas consumam tecnologia, mas também a criem e a moldem de acordo com suas necessidades e seus saberes tradicionais. O Laboratório Tear Neide Valentina é, em sua existência, a manifestação de uma filantropia comunitária, mesmo que não se use este termo para definição em seu cotidiano. É a materialização de uma democracia que valoriza a cultura, uma educação decolonial e antirracista e o fortalecimento de comunidades tradicionais a partir da participação local, desenvolvimento sustentável e investimento em capital social.